sexta-feira, 25 de abril de 2008

Mutanteando no Culturanja

Há dois anos, tive a honra de conhecer uma pessoa que, indiretamente, faz parte da minha vida desde que comecei a ouvir música influenciada por meu pai. Para quem gosta de esportes, ele é o assessor de imprensa da Fórmula Truck e para os amantes da música ele é o baterista dos Mutantes, um ícone do rock nacional. Ronaldo Leme, ou melhor, o Dinho, entrou para a banda em 1969 e depois disso os Mutantes não pararam mais. Aliás, pararam sim, mas só em 1978, depois da saída de Rita Lee, em 72, a de Arnaldo Baptista e logo depois a do próprio Dinho. Sérgio Dias foi o único que tentou salvar a banda, mas tudo não passou de uma tentativa inútil e os Mutantes acabaram. O que ninguém esperava era que em 2006, os Mutantes voltariam com o batera Dinho, juntamente com os irmãos Arnaldo e Sérgio e o vocal feminino de Zélia Duncan.

No começo o público chegou a crer que a turnê (a qual eu pude ver ao vivo um dos shows), não fosse passar de uma reunião de amigos querendo apenas relembrar os velhos tempos. Daí os devotos dos Mutantes se enganaram. Em setembro de 2007, quando a turnê enfim acabou, Zélia e Arnaldo queriam se concentrar em suas carreiras individuais e pularam fora do projeto, então Sérgio e Dinho surpreenderam novamente a galera roqueira alegando dar prosseguimento ao trabalho com a promessa de canções inéditas e um CD novinho, novinho que já está sendo gravado. Mas será que o Dinho imaginava essa reviravolta toda em sua vida? O que será que passa por sua cabeça? Para tentar decifrar essas questões, confira uma entrevista com Dinho Leme sobre música, banda e claro, sonhos. Sonhos que foram deixados lá nos anos 70 e que agora voltam, para alegria da “galera das antiga” e para uma geração que conheceu os Mutantes mesmo nesses 32 anos que estiveram adormecidos.

Dinho Leme hoje e nos anos 70 - Fotos de arquivo pessoal


CULTURANJA - Quando tinha 10 anos de idade, o que você sonhava para o seu futuro? A música já te chamava atenção?

DINHO - Não quando tinha 10 anos. Nessa época eu morava no interior de SP, Araçatuba e logo depois Rancharia. Eu jogava basquete, tênis e nadava muito. Aos 13 anos comecei a tocar sem ninguém para me ensinar. Eu ia até uma igreja evangélica aprender piston. O pastor lia música e me ensinava como tocar. Daí começou a minha curiosidade pela vida de grandes músicos. Qualquer história me emocionava porque era sempre solitária e de lances sempre muito fortes. Lembro-me do filme de um trumpetista Red Nichols que fez promessa de parar de tocar se sua filha vivesse depois de ter ficado muito doente quando nasceu. Sempre histórias tristes e muito vividas.


CULTURANJA - O que seus pais pensavam do seu sonho, eles apoiavam ou falavam que você estava “viajando” demais?

DINHO - Meu pai sempre ajudou muito porque tocava gaita de chave muito bem e sabia o que era a música para uma pessoa. Apesar disso ele sempre tentava me convencer a fazer concursos para bancário, pra ser como ele. Normal né?!


CULTURANJA - Depois que entrou para os Mutantes, o que passava pela sua cabeça? Você se lembrava de quando era criança e fazia algum paralelo sobre sua vida naquele momento e de quando era mais novo?

DINHO - Para quem via de fora, poderia até estar sendo um sonho, mas para mim tudo era mais do que real porque desde que eu comecei sempre tive a impressão que iria tocar com músicos “tops”. Eu estava sempre andando pra frente normalmente.

Formação original com Sérgio Dias, Arnaldo Baptista, Liminha, Dinho Leme e Rita Lee


CULTURANJA - Como era ser um “Mutante” quando a banda começou e como é fazer parte dos Mutantes agora?

DINHO - Era uma coisa bem diferente dos outros artistas da época. Como banda só havia a gente tocando daquela forma. Surgiram alguns grupos como Néctar, Mescla, Scaladácida, mas eram muito poucos e amadores. Hoje é mais normal porque vimos tudo aquilo ser reconhecido e ficamos admirados de ver o tanto que as pessoas gostam e dão valor no que foi feito. Eu fico impressionado em ver pessoas que não eram nem nascidas quando a banda acabou e que hoje, depois que nos reunimos para tocar, freqüentam nossos shows e cantam nossas músicas, como se elas tocassem sempre no rádio. Parece até que somos uma banda de jovenzinhos [risos].


CULTURANJA - E quando tudo acabou? Já pensava em ser assessor de imprensa, algo tão diferente do que fazia antes?

DINHO - Gosto muito de trabalhar com a estruturação de atendimento a imprensa, mas jamais seria um funcionário de um jornal ou TV.


CULTURANJA - E agora? Como é voltar à ativa quando o público não imaginava mais vê-los tocar?

DINHO - Nunca pensei que Mutantes pudessem voltar e jamais com essa formação que conseguimos, com muita harmonia e energia. Tá muito mais gostoso tocar agora do que antes quando não tínhamos os músicos para tocarem os arranjos de Rogério Duprat com sintetizadores, flautas, violas, chello, etc.

Mutantes em nova formação, prontos para novas canções e sem perder a pose


CULTURANJA - E qual o sonho que ainda não realizou?

DINHO - Nunca pensei em ser nada na vida, não. O meu grande sonho, na verdade, continua sendo o mesmo de quando eu era criança: viver o quanto mais perto da natureza, mato, bichos e o mais longe possível de multidões [...] poder jogar para o ar coisas que às vezes nos incomodam. Estou quase conseguindo.

sexta-feira, 18 de abril de 2008

Kid Abelha : Meio Desligado [1994]

Bruno Fortunato, George Israel e Paula Toller, o Kid Abelha.

“Kid Abelha, Lobão?!” Muitos me recriminarão, mas o álbum é bom sim e merece ser citado.

A idéia deste álbum surgiu de um set de versões acústicas das músicas do primeiro disco do Kid Abelha, que a banda tocava nos Bis dos shows normais. Gostaram da idéia e começaram a acrescentar ao Bis outras canções que combinassem com esse formato. Registradas ao vivo, em shows realizados entre março e julho de 1994, nas cidades Curitiba, Belo Horizonte, Crisciúma, Concórdia, Venâncio Aires e Santa Bárbara. Depois acrescentaram alguns instrumentos e arranjos a mais em seu home-studio, o Som de Neguin’ (ou em casa, como eles dizem).

O resultado final é surpreendente: nitidez e uniformidade nos sons dos instrumentos captados ao vivo e nos acrescentados posteriormente, o que possibilitou arranjos singelos, porém ricos e belos. O toque especial na sonoridade fica com a participação do público e o ambiente de show - preservados da captação ao vivo - o que cria a impressão de um show acústico completo e esquenta o disco feito um abraço carinhoso.

Esse álbum vendeu 500 mil copias, ganhando disco de ouro, de platina e o primeiro disco duplo de platina da banda. É infinitamente melhor do que o Acústico MTV, lançado em 2002, pelo menos no tocante a identidade sonora e arranjos. Acredito que num álbum acústico a banda deve aproveitar a chance e ousar, o que definitivamente não acontece no da MTV e o que, pra nossa alegria, acontece no “Meio Desligado”. Mas, infelizmente, por ser resultado de diversos registros de áudio ao vivo e overdubs em estúdio, não foi possível preparar uma versão em vídeo deste álbum, que se existisse seria uma beleza.

Meio desligados, mas totalmente antenados” é como a banda se descreve no encarte do CD (que foi o último trabalho deles lançado também em vinil). Concordo plenamente. Se formos olhar o histórico de acústicos, o do Nirvana, divisor de águas do formato, tinha sido lançado em dezembro de 1993. O grande boom do estilo no Brasil só ocorreu após o lançamento do Acústico MTV dos Titãs, em 1997 (três anos de diferença). Ou seja, ponto para o antenado Kid Abelha, que produziu seu acústico de forma independente, mostrando coragem e criatividade no período negro do rock nacional que foram os anos 90.

Meio Desligado é um álbum pra se ouvir por inteiro, tendo como ponto alto as versões de Como Eu Quero (infinitamente superior à do Acústico MTV, com participação de Ritchie), o ciúme delicado de Seu Espião, as felizes Eu Tive Um Sonho e No Meio da Rua, as tristonhas e belas Nada Por Mim e Grand’ Hotel (esta com arranjos de cordas de Wagner Tiso) e a envolvente versão pra Solidão Que Nada, do saudoso Cazuza. O álbum conta também com versões de Cristina de Carlos Imperial e Tim Maia e Canário do Reino de Carvalho e Zapatta, do cancioneiro popular (esta com participação de Lulu Santos). Violões de 12 cordas, Acordeon, Cítara (pelo Mutante Sérgio Dias na faixa de abertura Deus), cordas, naipe de metais e outros instrumentos diferentes, somados com participações bastante especiais, letras singelas, belos arranjos e um clima aconchegante fazem deste álbum algo a ser apreciado sem moderação.



01. Deus (Apareça Na Televisão)
02. Alice
03. Gosto De Ser Cruel
04. Como Eu Quero
05. Por Que Não Eu
06. Seu Espião
07. Eu Tive Um Sonho
08. O Beijo
09. Cristina
10. No Meio Da Rua
11. Nada Por Mim
12. Grand' Hotel (Introdução)
13. Grand' Hotel
14. Solidão Que Nada
15. Canário Do Reino

quarta-feira, 9 de abril de 2008

Quem Ri Por Último, Ri Melhor!


Era um homem orgulhoso de seu emprego. Executava cada tarefa com o prazer e a desenvoltura de um mestre em sua função. Sentia-se imponente em seu uniforme, com o qual voltava vestido para casa. Andava altivo, era admirado pelos vizinhos. Sentia-se a melhor pessoa do mundo.

Sentia vergonha de seu emprego. Voltava para casa escondido, ninguém podia vê-lo daquele jeito, aquela roupa vulgar que vestia. Não conseguiu se esconder, foi humilhado, ridicularizado. Odiava sua vida. Sentia-se a pessoa mais desprezível do mundo.

Apesar de não parecer, os dois parágrafos acima contam a história da mesma pessoa e de como ela convive com o repentino destroçar de seus sonhos e a impossível manutenção das aparências. Agonia e alivio, fartura e miséria, inferno e paraíso. São os contrapontos da vida que dão as “cores” em “A Última Gargalhada” (The Last Laugh, 1924) ou ainda “Der Letzte Mann” (“O Ultimo Homem”), mas este título original foi alterado a pedido do estúdio que o achava pouco comercial. Filme dirigido por Friedrich W. Murnau, que também dirigiu Nosferatu em 1922.

A Ultima Gargalhada é um filme mudo e em branco e preto, mas com uma carga emocional tão grande que estes detalhes apenas realçam um trabalho genial de direção, atuação e produção desta película ícone do Expressionismo Alemão.

A Escola Expressionista Alemã foi um movimento artístico de vanguarda, um fenômeno cultural que no final do século XIX e início do século XX, foi catalizado por todas as formas de arte da Alemanha. Sua estética era baseada mais na emoção do que na razão, suas características mais marcantes eram os ângulos acentuados; cores contrastantes como verde, vermelho, amarelo e negro (quando havia cores); maquiagem pesada que muitas vezes descaracterizava os traços humanos dos personagens, outras vezes os enfatizava. No cinema abusava-se dos contornos sombrios e dos contrastes marcantes entre o negro e o branco. Os autores expressavam uma visualidade subjetiva, mórbida e dramática, o concreto, o fato em si, não era representado e sim o sentimento do artista em relação a esse fato. O Expressionismo era o contra-ponto ao Impressionismo, este acadêmico, calcado na racionalidade tão na moda naquele tempo, inspirado na nova coqueluche da humanidade: o método científico.


Percebe-se que esta película promove a realidade como um artifício e a civilização como aparência. A falsa posição social adquirida pelo personagem principal através do uniforme – seja na portaria do hotel Atlantic ou no banheiro, Emil Jannings (em mais uma brilhante atuação) jamais deixa de ser proletário. E esta farsa social desmorona frente à descoberta da verdade pelos vizinhos hipócritas, talvez mais miseráveis ainda.

Algo a se notar neste filme é que, apesar de mudo, nele não se usam aqueles cartões com os diálogos escritos - e nem se nota falta deles (!). O história é inteiramente contada através das brilhantes atuações dos atores somados com a bela fotografia expressionista, que escancaram o psicológico dos personagens. Bem, para não dizer que não há cartões, eles aparecem apenas duas vezes: uma é a carta que rebaixa o porteiro de posição, a outra é para anunciar o epílogo.

Mais dois fatos curiosos para deixar essa película muito mais interessante: O final original e trágico idealizado pelo diretor e pelo roteirista, foi alterado a pedido dos Executivos do estúdio, que preferiam um final feliz, portanto não culpem os gênios expressionistas pelo final bobinho. Outro fato curioso é que este filme foi o primeiro a utilizar uma câmera portátil. Logo na primeira cena do filme o cinegrafista amarra a câmera no peito e faz a tomada andando de bicicleta pelo lobby do hotel.

Digo que “A Ultima Gargalhada” não é simplesmente uma boa história provocadora de reflexões sociais ou algumas lágrimas, é muito mais, é um grande exemplar do cinema arte, contestador e inventivo, que nos traz muito mais do que o prazer de um ótimo filme. Utilizando a "Escala Peguineana”: VALE!

[Para Download do filme no site "MakingOff", mas é necessário fazer cadastro. Recomendo o cadastro, pois o site é incrível!]