INÚMERAS vezes enquanto lia o Portrait of the artist as a young man, meu amor pela beleza me deteve em um determinado parágrafo insistindo em se me destacar; e deixei-me, em cada uma d'estas ocasiões, transportar para a melancólica Dublin de Stephen Dedalus (o alter-ego do próprio autor). Relia duas, três, até quatro vezes um determinado período, conforme a admiração por sua invejável técnica fazia-me reflectir, divagar, menear enfim a cabeça, desconcertado diante da perfeição artística da obra.
Acompanhei a tenra infância que o abandonou; a fé que foi por ele abandonada. O discurso moral do pai ao pequenino, curioso, silencioso e obediente Stephen sufocar n'as dificuldades financeiras (prestem muita atenção à passagem da "língua do 'boro'" - a "língua do 'P'" dos irlandeses -, quando Stephen chega do colégio e descobre que serão novamente despejados por outro senhorio), e como, após entrar na faculdade, o filho não suporta mais a visão da figura do progenitor e o sentimento, pode-se concluir, é recíproco.
James Joyce no verão de 1904.
Do tronco que sustenta os acontecimentos principais aos galhos mais jovens (além da "língua do 'boro'", notem as cores que o talento de Joyce deu às memórias de sua primeira experiência amorosa); do estilo que vai amadurecendo conforme cresce o protagonista: ele faz-nos, a nós os leitores, perceber o desenvolvimento do embrião-d'escritor, que o fez mais tarde capaz de coisas como:
"She seemed like one whom magic had changed into the likeness of a strange and beautiful seabird. Her long slender bare legs were delicate as a crane's and pure save where an emerald trail of seaweed had fashioned itself as a sign upon the flesh. Her thighs, fuller and soft-hued as ivory, were bared almost to the hips, where the white fringes of her drawers were like feathering on soft white down. Her slate-blue skirts were kilted boldly about her waist and dovetailed behind her. Her bosom was as a bird's, soft and slight, slight and soft as the breast of some dark-plumaged dove. But her long hair was girlish: and girlish, and touched with the wonder of mortal beauty, her face".
(James Joyce; 1882-1941)
Esta é, pois, minha dica, merecedora do título que recebeu de mim mesmo, aos culturanjeiros que querem ler algo que, ao contrário d'este pobre orador que lha redigiu, merece o tempo e a paciência de vós outros. VALE.